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4.5.09 

Jules (6/6)

Isto é mentira.

Foi tudo uma combinação de acasos em cima da mais determinada vontade. Chama-se Júlio, tem 38 anos. É o melhor cozinheiro de Lisboa. É também um dos melhores do mundo. Até há 3 anos, por cá, ninguém o conhecia. Hoje, o seu restaurante Jules, no Parque Mayer, está reservado até Maio de 2010.Foi por acaso que desaguou, como sempre quis, no Parque Mayer. Um acaso parecido com o que trinta anos antes o tinha levado de Tondela para Saint-Raphael, na Dordogne, no sudoeste de França.Não fala muito do passado. Tinha cinco anos e uma mãe portuguesa. O pai, francês, havia de estar em França – e lá foram procurá-lo. Só apareceu passados uns anos, quando as feições de raposa do filho não deixavam dúvidas sobre o fruto da visita do talhante às Beiras, cinco anos antes, com um colega Português de tropa, primo da sua mãe, para fazerem a matança. “Parece um livro antigo, mas foi mesmo assim, em França nos finais dos anos setenta”. Quando o pai o reconheceu, passou a viver entre carnes, todos os dias depois da escola. Em casa, o resto do tempo, já o passava com a tia na cozinha (“a tia Nela estava sempre a aquecer água em várias panelas, nunca percebi bem para quê”).Queria cozinhar, mas estudou para talhante, “para herdar o talho do pai”. Quando conhecia miúdas dizia que estudava veterinária. “O talhante é o veterinário-legista”, diz, sem sorrir. Foi uma dessas miúdas, que acreditava que Júlio curava e não desmanchava ovelhas e vacas, que acabou por trazê-lo a Lisboa. Era Emma, filha de Danièle Mazet-Delpeuch cozinheira de Miterrand. “Como tinha aquele sonho, meti-lhe uma cunha, como vocês dizem”. A cunha resultou. Passados uns meses estava no Eliseu. Passados dois anos tinha o seu bistro. Em dez anos, duas estrelas Michelin e “ao todo um mês de férias”. Estava farto. Queria mais sol e mais folgas. Queria o Parque Mayer onde tinha ido à revista em pequeno, numas férias de Natal e com que sonhava todos os dias. “O Parque é o verdadeiro mundo de Oz. Nada disto existe, nada disto existia, mesmo quando existia”.Em França conheceu muitos portugueses influentes. Aliou o seu dinheiro à vontade de um Presidente de Câmara que não queria nem casinos, nem arquitectos, e comprou o Parque Mayer. “Normalmente teria esperado uns anos e voltado a Portugal e construído um ‘palácio’ em Tondela”. Mas sempre fez as coisas à sua maneira. O Parque Mayer seria o seu Angkor. Manter tudo como estava, as raízes, as ervas, “até as coristas mortas e emparedadas que dizem haver no Capitólio”. No restaurante, manteve a fachada. Uma rúnín de fachada. Lá dentro soalho. Vidro. Toalhas brancas, pratos brancos. Redondos. Talheres normais. Muitos empregados.A carta muda de dois em dois meses. Trinta mesas. Três pratos, uma sobremesa, trinta euros. Cabrito. Bacalhau. Pato. Porco, muito porco. Rosbife. Filetes. Panados. Tudo perfeito. Tudo escolhido das melhores quintas. Quem não escolhe são os clientes. Menu fixo. Há legumes, mas não há pratos vegetarianos. “É como pedir a um taxista para ir a viagem todo em ponto morto”.

Time Out, 1 de Abril
Jules
Parque Mayer
****** (Fora de série)
Lourenço Viegas

Contraprovador

  • Lourenço Viegas, 54 anos, é geólogo e crí­tico gastronómico. Colabora semanalmente na Time Out Lisboa. Nasceu em Lourenço Marques e vive no Ribatejo. Tem duas filhas.
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